nara sakarê – parte 2

Nara Sakarê e o trabalho do ator no cinema

A proposta de trabalho no AP43 é resultado da minha observação e reflexão acerca do trabalho do ator durante toda a minha trajetória no cinema, que teve início no longa Cidade de Deus. No AP43, tudo que é proposto em sala de ensaio tem um porquê e muita pesquisa envolvida.

O ponto de partida do grupo e tudo o que produzimos tem foco no trabalho do ator. Aqui, a lógica de criação é invertida: investigamos a autonomia que o ator pode ter no processo cinematográfico. Primeiro o ator cria seu personagem e, em seguida, o roteiro nasce. Entendemos que se o ator consegue dominar o personagem, ele é capaz de abarcar qualquer roteiro.

Nunca perguntam ao ator qual personagem ele gostaria de fazer no cinema. Aqui, cada ator desenvolve seu próprio personagem baseando-se na sua natureza, considerando seu phisique e características da sua personalidade, suas referências, seu repertório e as ferramentas de sua formação de ator. Dessa forma, os personagens criados tornam-se praticamente insubstituíveis e o processo acaba por ser muito autoral. Apesar do procedimento ser o mesmo para todos os integrantes do grupo, o processo é único para cada ator. Para nós, é muito importante que o ator tenha a consciência de que ele é, de fato, único. Para o ator de pesquisa, o resultado acaba sendo consequência natural de um processo. Uma vez que o personagem esteja construído, o roteiro torna-se ponto de partida e não resultado final. Nosso cotidiano bebe no acaso e na escuta e exige prontidão do ator. Nossa construção não é linear e nossa regra principal é a organicidade. O mental organiza e não rege a ação do ator em cena. Este procedimento é intenso e deve ser feito com prazer, mas só funciona se o ator quiser. O ritmo do trabalho é estabelecido pelo próprio ator, assim como a profundidade de sua pesquisa. Como qualquer processo de criação verdadeiro, em alguns momentos esse pode ser angustiante, podendo gerar frustração ao longo da busca e exposição por parte do ator. A opção de fazer cinema traz para o ator o desafio e a descoberta de que é possível ter prazer no desconforto ao dar vida a um personagem que normalmente está em conflito. O domínio da técnica se faz necessário, protege o ator e fortalece o rendimento do seu trabalho, especialmente se considerarmos os longos períodos para a realização de um longa ou uma série. Quem sofre é o personagem e não o ator. E, além disso, set de filmagem é um ambiente de pressão naturalmente estabelecida para todos.

É fundamental que você que está ingressando no grupo agora já tenha uma boa base do trabalho do ator. O AP43 não forma atores, não ensina atuação mas aprofunda e verticaliza o experimento da linguagem cinematográfica. A expansão que é proporcionada pela pesquisa pode ser infinita enquanto você tiver interesse em si mesmo.

Este é apenas um jeito de fazer cinema. Não é melhor, nem pior, mas o nosso. E não é todo ator que se adapta ao nosso procedimento de trabalho. O AP43 é um grupo de pesquisa onde todos os integrantes são profissionais e se encontram para a troca de bagagem, de exercício e pesquisa. Apesar do cinema ser muito solitário, aqui não é lugar para o ator trabalhar sozinho. Existe uma condução que atua, faz espelho e é cúmplice de cada processo vivido e experimentado dentro da pesquisa diretamente com cada ator. E o ator deve ter consciência disso. Essa troca é necessária para alimentar o processo e gerar maior liberdade criativa.

Quando a criação do ator (o personagem) já estiver madura e com seu DNA definido, os núcleos de roteiro e direção entram no processo para, a partir do que o ator lhes apresentou, trabalhar a produção de cenas e, se for o caso, a produção de filmes. O ator deve ter o total domínio do seu personagem.

É importante entender que no AP43 a figura do diretor é diferente dos moldes convencionais. O diretor só entra no processo se tiver consciência do domínio do ator em relação ao personagem, respeitando e se interessando por isso. Afinal, o procedimento de trabalho do grupo foi criado para o diálogo entre as pessoas.

No AP43 não existem prestadores de serviço, e por isso a comunicação e a troca são muito importantes entre todas as partes uma vez que o que nos une é a mesma coisa : o desejo da pesquisa no fazer.

Não somos uma produtora, mas sim um conceito que une o grupo em torno de uma forma específica de fazer cinema. E geradores de conteúdo. Qualquer pessoa envolvida com o AP43 deve estar ciente disso, mesmo coproduções devem respeitar o processo de trabalho estabelecido pelo grupo e proteger a integridade da pesquisa e a identidade do nosso trabalho.

Não sou movida por certezas mas pela busca das respostas que me alimentam e me fazem existir.

Bem vindo ao AP43 !!!!

Bem vindo à pesquisa!!!!!

Nara Sakarê

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